sábado, 22 de novembro de 2008

40 Anos de Arte, Criatividade e Brancura

Foi há quarenta anos, no dia 22 de Novembro, que Os 4 de Liverpool lançaram aquele que viria a ser um dos mais aclamados álbums de sempre. Um conjunto de trinta músicas, seguindo o exemplo do disco duplo de Blonde on Blonde, revelando um enorme conjunto de experiências, de rasgos de inspiraçao, daquilo que, no fundo, era a mente de cada um, uma mistura entre o passado, o futuro e, acima de tudo, o presente. Uma euforia que deixou de ser conjunta para passar a individual, desvanecendo-se cada vez mais, uma riqueza criativa crescente, com uma aplicação extraordinária de toda uma experiência angariada nos únicos inimagináveis 8 anos de carreira séria, em que viajaram de pubs perdidos nas sujas cidades inglesas, que, anos depois, serviriam de palco para o movimento punk, até às coloquiais salas em que a alegria de ser jovem reinava, juntamente com a expansão do culto da droga, junto de mestres como Bob Dylan e de pupilos como os Rolling Stones. Basicamente um registo, uma impressão daquilo que lhes saía do corpo, depois de 8 anos de intensivo cultivo e mutação. Um álbum que é fruto do presente, o ponto de viragem entre a utopia do futuro e a melancolia do passado.


Deixo-vos com o texto publicado no blog sound + vision nste mesmo dia e com este mesmo propósito:

Em 1968 o rock’n’roll acordou do garrido e inspirador sonho caleidoscópico em que vivera entre 1966 e 67, e acordou perante os pesadelos do mundo real. O Vietname em guerra e os protestos pela paz. As mortes de Luther King e Robert Kennedy a assombrar um ano eleitoral americano que termina com a primeira vitória de Nixon. A resposta totalitária e implacável à breve “Primavera” em Praga. O fim derrotado (apesar das conquistas entretanto lançadas para sociedade) dos que saíram às ruas de Paris, no mês de Maio...Os pesadelos chegavam do mundo em seu redor, mas também de dentro do próprio universo do rock’n’roll. Os Pink Floyd perdiam Syd Barrett. Brian Jones dava o seu último concerto com os Rolling Stones que entravam em nova etapa de vida ao som de Beggars' Banquet. Os Beach Boys viviam na pele um ano de desaire, com evidente fuga de velhos admiradores para outras paragens. Enquanto isto, em Londres, os Beatles apresentavam um novo álbum. A 22 de Novembro. Faz hoje 40 anos.A história do disco começa alguns meses antes. Em Maio de 1968, depois de chegados de uma temporada na Índia (em meditação com o Maharishi Mahesh), reúnem-se em casa de George Harrison para trabalhar. Gravam 23 maquetes e definem o caminho para o que seria um novo disco. Acabaria por se chamar simplesmente The Beatles. Seria um álbum duplo, e um dos mais importantes da sua obra. Mas os quatro músicos sentiram, ao gravá-lo, que era o princípio do fim. Como reacção ao excesso de informação de Sgt. Peppers (de 1967), optaram por uma simples capa branca, aí nascendo o nome White Album (o tal Álbum Branco) pelo qual ficou conhecido.O disco revelava uns Beatles mais versáteis que nunca, num alinhamento de grandes canções (como Back in the USSR, Savoy Truffle, ou Dear Prudence) que ia das mais discretas baladas ao mais intenso hard rock. Não faltavam motivos para aclamar, novamente, uma banda que escrevia a história... Mas poucos imaginavam quão assombrado todo o projecto nascera. Com apenas uma canção de Lennon e McCartney verdadeiramente escrita a dois (apesar de todas serem co-assinadas), o disco revelava uma evidente separação de interesses. Paul cantando essencialmente o amor, John ensaiando um registo mais crítico e aguerrido. George e Ringo também presentes como autores.Primeiro disco gravado depois da criação da Apple Corps, era um álbum feito por músicos que agora também eram empresários. A morte de Brian Epstein e a presença de Yoko Ono sublinharam um clima que acabou expresso num álbum fruto do seu tempo. Um álbum de 1968, o ano um depois do sonho psicadélico.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

"and in the end, the love you take is equal to the love you make"

Como o distante tilintar de um qualquer piano, perdido, num qualquer cabaret, onde o condensado cheiro a tabaco e o livro de cima da mesa reavivam velhas memórias, para as lembrar que não passam senão disso, memórias, dando tudo o que havia e ainda há para dar, libertando o último suspiro, mas talvezo mais profundo, depois de um longo e cansativo dia de trabalho, Abbey Road apresenta um decaír da sociedade, de todos os princípios, da subjectividade da realidade, de uma banda que representou todo um movimento que hoje sustenta a complexidade da base artística em que vivemos. Todo um individualismo arrepiante, não tanto para o ouvinte, mas para o autor em si, destinado ao fim, e que num rasgo de inconsciência artística, nos tenta dar, ou tenta dar a si mesmo aquilo para que foi feito, a arte pura. O fim estava próximo, a euforia acabara já em The Beatles, o espectro do futuro era presença constante no estudo, sob a forma de Ono, a ânsia de poder começava a crescer nas mentes, a consciência de si mesmos, a dignidade de cada um e o respeito para com cada um fizeram-se ouvir, mas já todos o sabiam, o pavio há muito que se apagara. O experimentalismo futurista, as baladas prolongadas, as tentativas de parar a sequência natural dos acontecimentos, já por si conscientes do falhanço, a necessidade de se afirmar, e os rasgos melancólicos de súbita consciência, obscura, assombrosa e carregada de passado. A vida acabou ali, naquele momento parado no tempo, finalizando todo um ciclo que provavelmente nunca se voltará a repetir. A vida de uma década que construiu o mundo, a arte, e cuja influência constitui hoje a maior parte do nosso ser. A seriedade das músicas não engana, tal como a expressão daqueles quatro rostos naquela manhã de Agosto, a melancolia, a ânsia de acabar e de ao mesmo prosseguir, a explosão de arte, de sabores, de tudo o que acontece sepre que ouvimos um "something in the way she moves", ou num "here comes the sun king", em todos os mais pequenos momentos ao longo das dezassete composições d'Aquele Álbum, desde a monotoneidade rebumbante de "I Want You (She's So Heavy)" à esquecida por muitos "Her Majesty", na rajada do medley, das sete músicas interligadas extraordináriamente, criando quase como um organismo vivo cpaz de destruir o nosso, ou na assombrosa "Because". Hoje, dos quatro, dois vivem, mas naquele preciso momento, naquele vislumbrar momentâneo de um traunsente, naquele disparar fotográfico, nenhum deles sobreviveu ao fim, à fotografia que permanecerá para sempre como o momento da morte, da apoptose da arte, e do nascimento de um Homem Novo. A passadeira não mais será transposta.

"Esta gente parece ter alma, porque a música está a tocar"
José Gomes Ferreira