terça-feira, 21 de abril de 2009

...ainda sobre o mesmo...

"o pungente e espelhado retrato de johnny revestido pelas cavalgadas mundanas que mais tarde viria a ser o grunge, a aculturação das vivências underground, a imposição do veludo às massas, num banquete de vicissitudes laboralizadas por uma fotografia banal , tudo isto criou o ambiente de glória no qual não se culpabiliza outro senão Judas, de todos os nossos pecados"


companheiro de quarto

Patti Smith's Horses

Lançado em 1975, e produzido pelo ex-velvet undergroung John Cale, Horses apresenta-se nos uma obra-prima da música contemporânea. Um álbum que retrata uma mistura entre a rebeldia e a vivacidade da juventude, do rock n’ roll, a degradação do espaço urbano como obra de arte, o underground, o vintage, a profundidade da poesia, dos sentimentos, desta amante de Verlaine’s e Rimbaud’s. Um retrato dos quartos negros e sujos cheios de vida que, por dela se distanciarem, se aproximam do seu âmago, dos degradados edifícios de uma sempre rejuvenescida Nova Iorque, dos restos da utopia pós-guerra, do recomeçar das cinzas dos sessenta, do nascer do punk e das novas sonoridades, de uns Clash, Sex Pistols ou de uns magistrais Joy Division. De uma televisão a preto e branco, papel de parede negro de humidade, álcool, fumo, olheiras, cansaço e vida, da brasa que continua vermelha depois de a chama se apagar. Da vivacidade, da energia, da juventude, da vida, da loucura pura que nos atinge o núcleo do cérebro e nos electrifica, sem nunca largarmos o pé desse buraco negro que nos afasta da alegria e nos arrasta para a poesia, para a negra perfeição, para a beleza do degredo. O piano ressoa essa profundidade, a voz rouca e as obscuras letras que nos conduzem pelas igualmente obscuras vielas da humanidade, da negrura, do seu âmago, essa voz que nos lembra um Lou Reed, a loucura nova-iorquina, as festas, o delírio, a alucinação, e o escuro de tudo isso, a rebeldia que ardia dentro dos sempre jovens corpos que faziam a cidade de Nova Iorque, a rouquidão da experiência, da noite que há muito começou, da felicidade, da loucura, a guitarra estonteante, o som abafado, rasgado impunemente pelos impulsos explosivos mas naturais, humanos. De uma irresponsabilidade, de uma infância escura que permanece em nós para sempre, do forte bafo a álcool, que Patti nos consegue transmitir, como uma injecção de profundidade, um tiro de loucura, de epilepsia, de uma eterna juventude, que com o seu lado negro, a sua face oculta de todos e de si própria, explode em toda a sua dimensão, em rock n’ roll. A descontracção, a emancipação, a rendição à vida. O preto e branco. Horses de Patti Smith.


Este texto foi originalmente publicado no jornal da Escola Secundária Infanta Dona Maria, pelo que lamentamos a não exclusividade deste, apenas justificada pela falta de tempo, paciência e inspiração.